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Síndrome de Cotard

10:44
"Estou morta. Não sou nada. Nunca serei nada. Estou completamente morta. Sou uma morta-viva; meu corpo é apenas poeira. Logo minhas pernas não me carregarão mais... Meus pulmões são de um cadáver. Podem me radiografar que não encontrarão nada. Dentro do meu corpo há apenas pó. Sou um cadáver que anda para que ninguém me enterre... Não há mais dinheiro para me enterrar. É preciso me jogar na vala comum. Sou um cadáver que anda, uma morta-viva, uma morta que ressuscitou três vezes. Sou imortal... Sou um cadáver grávido. Ando para alimentar o bebê, que também está morto. Engravidaram um cadáver... e eu estou muito, muito gorda."



Também conhecida como Delírio de Negação, a Síndrome de Cotard é uma raríssima patologia neuropsiquiátrica na qual o paciente acredita estar morto e putrefato, podendo chegar a sentir até mesmo o cheiro do próprio corpo em decomposição e vermes rastejando sobre ele. Além de dizer-se desprovido de sangue e órgãos internos, o paciente também consegue descrever em detalhes a hora e a situação de sua morte.

• Descoberta

Apresentada à Société Médico-psychologique (Sociedade Médico-psicológica) de Paris em 28 de junho de 1880 pelo neurologista francês Jules Cotard na sua obra Du délire hypochondriaque dans une forme grave de la mélancolie auxieuse (Do delírio hiponcondríaco sob uma forma grave de melancolia ansiosa, em francês) a partir do caso de uma mulher de 43 anos, casada e com filhos, que acreditava não possuir cérebro, nervos ou entranhas e negava a existência de Deus e do Diabo, a síndrome foi considerada uma nova espécie de depressão grave e psicótica - esta chamada Lipemania e proposta pelo psiquiatra Jean-Étienne Dominique Esquirol.

Em um trecho de sua obra, Cotard diz que a paciente pedia para ser queimada viva, suplicava para que abrissem suas veias, cortassem seus braços e pernas e abrissem todo o seu corpo para confirmar que seus órgãos não existiam mais.

• Características

E, realmente, a síndrome de Cotard consiste em um estado de melancolia e ansiedade com paroxismos de uma agitação maníaca, durante os quais a mulher gemia e se contorcia pelo chão, alternados com períodos de total imobilidade e mutismo.

Em síntese, o delírio de negação tende a surgir em pacientes com histórico de esquizofrenia e transtorno bipolar; seu conteúdo explicitamente niilista, ou seja, vazio, estabelece relações com um profundo estágio de depressão e também com a Síndrome de Capgras (na qual o paciente tem certeza de que todos à sua volta são clones impostores).

Exatamente como a Síndrome de Capgras, a Síndrome de Cotard é o resultado da desconexão entre as áreas fusiformes (que nada mais são do que todos os orifícios do corpo humano, desde os olhos até o ânus) e as estruturas límbicas que as reconhecem (como o septo, o tálamo e o hipotálamo, que estão relacionados às emoções). Como consequência, o paciente perde a capacidade de compreensão e exercício da fala, passando a negar não apenas seus órgãos internos, mas também a sua própria imagem refletida no espelho - que é descrita como "apagada e esmaecida".

• Comportamento

Por acreditar-se morto - e, muito frequentemente, imortal -, o paciente deixa de se alimentar, higienizar e relacionar com as outras pessoas. Neste caso, porém, a imortalidade deixa de ser um privilégio para se transformar em um eterno tormento; longe de ser a glória, é o horror. E, se alguém tentar lhe dizer que não está morto, ele provavelmente responderá que o outro também está cadavérico, mas ainda não sabe disso.

Enquanto que em estágios avançados o doente nega a existência do mundo e a sua própria, em casos mais leves pode manifestar-se um sentimento de angústia e desespero durante um quadro passageiro de transtorno depressivo unipolar. Mas, de uma maneira geral, a analgesia (completa ausência de dor física) e a automutilação são características muito presentes - e, embora raramente consiga consumar o ato devido ao seu total desequilíbrio, são inúmeras as tentativas de suicídio.

• Tratamento

O tratamento para a Síndrome de Cotard é feito à base de antidepressivos tricíclicos (que possuem este nome por causa da presença de três anéis de átomos em sua composição) e serotoninérgicos (à base de serotonina, substância química responsável pelo bem-estar) somados a sessões de Terapia Eletroconvulsiva (TEC, ou simplesmente choques elétricos).

• Outros casos
Alguns biógrafos dizem que Edgar Allan Poe, eminente poeta do terror norte-americano no século XIX, apresentava sintomas da Síndrome de Cotard em seus últimos meses de vida.

Além do primeiro caso descrito por Cotard, o próprio neurologista relatou o caso de um homem que, nas raras vezes em que conseguia dizer algumas palavras - e ainda assim com péssima dicção -, repetia que todo o seu corpo havia sido destruído e que restaram-lhe apenas os seus olhos - e que, portanto, não podia ouvir, falar ou mover-se. Há ainda uma outra mulher que vestiu-se com um sudário, pediu à família para que a enterrasse e, não tendo atendido o seu pedido, permaneceu deitada em seu caixão até que realmente veio a falecer.

Fontes
Dayse Stoklos Malucelli, psicanalista e mestre em Filosofia
Dicionário de Síndromes Blog
Terapia em Dia

2 comentários:

Anônimo disse...

Interessante.

Anônimo disse...

Daria um filme interessante

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