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Cabala

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Cabala um dos elementos centrais do ocultismo ocidental, a cabala começou como movimento místico nas comunidades judaicas da Espanha e do sul da França. Adotada inicialmente por místicos cristãos, depois por magos herméticos e enfim por quase todos os ramos do ocultismo ocidental, tornou-se filosofia esotérica dominante do Ocidente durante vários séculos, mantendo sempre seu papel central nas crenças e práticas místicas judaicas. Ainda são muito usadas as versões judaicas, cristã, hermética e pagã da cabala.

A palavra Cabala é a transliteração em alfabeto latino para a palavra hebraica QBLH, "tradição", no sentido de tradição não escrita.

Outras transliterações incluem Kabbalah "Cabalá". Qabalah e Kabala. Recentemente , alguns autores têm tentando distinguir essas expressões, usando Kabbalah oara a versão judaica original da tradição, cabala para a versão cristã e Qabalah para a versão hermética. Outros ignoram essas variações, e os limites entre os diferentes aspectos da cabala raramente foram tão rígidos a ponto de merecer divisões tão rigorosas. Cabala, a mas antiga e comum grafia da palavra, é adotada nesta obra para trator de todos os ramos dessa tradição.

Origem da Cabala

As origens da cabala variam segundo as fontes consultadas. Alguns textos afirmam que a cabala original foi transmitida por Adão por Deus ou pelo anjo Raziel, no início dos tempos. Seth, um dos filhos de Adão, é outro candidato para o papel de fundador da tradição cabalística. Quase todas as fontes dizem que Moisés, enquanto estava no monte Sinai, recebeu de Deus dois conjuntos de ensinamentos - a lei escrita, abriga dos cinco livros inicias do Antigo Testamento, e uma lei oral, secreta, transmitida boca a boca, que incluía as interpretações e significados ocultos da lei escrita. Desde a época, segundo afirmam as lendas, a cabala foi passada continuamente de mestre para discípulo até o presente.

Saindo dessas perspectivas míticas e indo para a visão histórica, as primeiras versões da cabala apareceram em meio a grupos místicos judaicos na Provença, no sul da França, durante o século XI. Esses grupos tinham raízes profundas e antigas tradições místicas judaicas, como o Ma'aseh Merkabah e o Ma'aseh Berashith, sendo bastante familiarizados com a tradição neoplatônica.
Em algum momento em torno de 1150, eles também obtiveram uma coleção de livros fragmentados que foram editados e constituíram o primeiro texto importante de teoria cabalística, O Bahir.

Isaac, o Cego, rabino de Narbonne que morreu por volta de 1235, foi o personagem crucial na formulação dessa primeira cabala. Tinha discípulos na Espanha e no sul da França, que transmitiram seus ensinamentos. Surgiram centros de estudos cabalísticos fundados por seus alunos em Gerona, Burgos e Toledo, na Espanha. O que diferenciava esses ensinamentos de outras versões mais antigas do misticismo judaico era o novo conjunto de doutrinas acerca da natureza de Deus e do mundo, e uma nova visão da prática religiosa. Para o cabalista, Deus em si, está absolutamente oculto por trás dos três véus de Ain (Nada), Ain Soph (Infinito) e Ain Soph Aur (Luz Ilimitada). Na manifestação, Deus se expressa pelas Sefirot, dez poderes criadores que surgiram da unidade divina e formaram a Árvore da Vida.


As Sefirot são unidas por 22 caminhos, que correspondem às 22 letras do alfabeto hebraico. A Árvore da Vida também mapeia os estágios da ascensão pelo caminho espiritual, que pode levar muitas vidas, ao contrario de outros judeus, os cabalistas aceitam a reencarnação, embora tenha havido discussões profundas sobre como a reencarnação atua e como se relaciona com os conceitos mais ortodoxos, como céu e inferno.

Os Cabalistas não diferem de outros judeus em suas práticas religiosas cotidianas - na verdade, no princípio, a cabala era uma força conservadora dentro do judaísmo, dedicada à estrita obediência à tradição e aos costumes. A diferença prática está no modo como os cabalistas usam os deveres religiosos tradicionais - um veículo para a prática meditativa e experiência mística. Na prática cabalística, cada um dos rituais e costumes que cercam a vida judaica tem um significado místico, e deve ser realizado tendo em mente esse significado. Ao recitar preces ou ler as escrituras, cada palavra do texto hebraico é usada como foco para a atenção concentrada e a meditação devocional.

A tradição cabalística passou por importantes desenvolvimentos na Espanha, onde tornou-se popular em grande parte da comunidade judaica e ganhou apoio de muitos dos melhores estudiosos e legalistas rabínicos dos séculos XIII e XIV. Nesse período, muitos detalhes dos ensinamentos cabalísticos posteriores foram acertados, em especial a ordem e o relacionamento das Sefirot, em um forma padronizada, a Árvore Cabalística. O excêntrico mas brilhante místico Abaham Abulafia foi iniciado nessa tradição espanhola da cabala, e após sua morte muitos de seus manuais de meditação foram adotados como padrão do círculos cabalísticos espanhóis e de outros lugares. Surgiram duas correntes principais: a escola de Gerona, com foco sobre uma abordagem mais filosófica, e a escola de Burgos, que tinha um pendor mais extático e mágico.

Essas correntes se fundiram no maior texto da cabala espanhola, o Zohar. Atribuído ao místico Shimeon bar Yochai, do século III, foi, na verdade, uma criação de Moses de Leon, cabalista espanhol que passou a maior parte da vida na pequena cidade de Guadalajara, ao norte de Madri. Livro grande e complexo, com múltiplas camadas, escrito ao longo de trinta anos, o Zohar apresenta a cabala sob um prisma profundamente mítico. Em pouco tempo, tornou-se o texto-padrão para estudos cabalísticos, levando ideias cabalísticas para a comunidades judaicas de todo o Mediterrâneo e adjancências.

A Espanha continuou a ser o centro de desenvolvimento e de estudos da cabala até 1492, quando o governo espanhol ordenou a expulsão de todos os judeus. Também foi na Espanha, nos anos que antecederam a expulsão, que emergiram os primeiros sinais de uma cabala cristã. Os primeiros movimentos nessa direção foram feitos por missionários cristãos, que procuraram aprender bastante sobre o judaísmo a fim de converter os judeus ao cristianismo com mais sucesso. Na cabala, encontraram não apenas uma poderosa ferramenta para o proselitismo, como um novo modo de ver sua própria tradição religiosa. A "arte combinatória" de Raimundo Lúlio (1235 - 1315), que depois exerceu papel significativo nas filosofias ocultistas do Renascimento, inspirou-se, pelo menos em parte, nos ensinamentos cabalísticos sobre o alfabeto hebraico e suas combinações;

A expulsão foi um tremendo choque para a comunidade judaica de toda a Europa, e levou o pensamento cabalístico de direções mais proféticas e messiânicas. Obras cabalísticas prevendo a chegada de Messias e a redenção de Israel começaram a circular nas décadas seguintes. Por espalhar os calistas espanhóis por boa parte da Europa, a expulsão também deu um grande impulso à cabala cristã.

Antes da expulsão, em 1486, o filósofo italiano Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494) tinha começado a estudar textos cabalísticos com o judeu convertido Samuel ben Nissin Abulfaraj (também conhecido como Flávio Mitridates), e causou um furor que ecoou pela Europa ao proclamar que "nenhuma ciência pode nos convencer melhor da divindade de Jesus Cristo que a magia e a cabala". No ano da morte de Pico, o estudioso alemão Johannes Reuchlin (1455-1522) publicou o seu De verbo Mirifico, uma introdução à cabala cristã, focalizando a interpretação cabalística do nome de Jesus. Reuchlin publicou em 1517 outro livro, um bem mais abrangente De Arte Cabalistica, considerado o primeiro tratado sério sobre a cabala publicada no Ocidente.

Depois de Reuchlin, a cabala cristã foi tema de numeros publicações, e os primeiros indícios de uma cabala puramente hermética, mágica, surgiram em 1533 com publicação de Três Livros de Filosofia Oculta, de Cornélio Agrippa. Nos séculos seguintes, essa cabala mágica se manteve cristã, ao menos nominalmente - assim como muitas versões to hemetismo, desde o Renascimento até o início do século XX, tinham certa dose de cristianismo.

Após a expulsão dos judeus da Espanha, o centro judaico de estudos cabalísticos moveu-se para leste, e a cidade de Safed, em Israel, tornou-se sede das mais importantes escolas cabalísticas a partir de 1530. Outros centros surgiram na Itália, no norte da África e na Turquia, locais para onde migraram grandes números de judeus espanhóis exilados.

O mais importante cabalista da escola de Safed foi o rabino Isaac Luria (1534-1572), um brilhante e carismático místico que remodelou radicalmente a cabala. Muitos dos conceitos básicos do pensamento cabalístico posterior foram introduzidos por Luria: Tzimtzum, a  "contração" do divino no início do processo de criação; os mundos primitivos de força desequilibrada, que foram destruídos, dando lugar aos Qlippoth, as "cascas" ou "conchas" que são os demônios da cabala de Luria; os cinco partzufim, ou personificação da Árvore da Vida; e o processo de tikkun, ou redenção no qual todas as centelhas de luz perdidas no mundo dos Qlippoth serão devolvidas ao mundo de luz. Luria também introduziu novas técnicas de meditação na cabala, da qual a mais importante foi prática de Yichud, ou unificação, um sistema de meditação baseado em nomes divinos.

Os ensinamentos de Isaac Luria se disseminaram pelo mundo judaico ao longo de uma geração após sua morte prematura. Combinaram-se com as intensas expectativas messiânicas da época, carreira de Shabetai Tzevi (1626-1676), que foi proclamado o Messias em 1665 pelo renomado cabalista Natan de Gaza, e centenas de milhares de judeus em toda a Europa e Oriente Médio aceitaram a ideia, preparando-se para o reino messiânico. O sórdido final do caso - preso pelo governo turco em 1666, foi oferecida a Tzevi a alternativa entre a execução e a conversão, seguida pela renúncia imediata ao judaísmo - ajudou muito a diminuir as expectativas messiânicas da época, mas pouco para enfraquecer o lugar da cabala no pensamento e nas práticas religiosas judaicas. Um núcleo de seguidores de Tzevi continuou a acreditar em seu Messias, argumentando que sua apostasia era parte de sua missão messiânica, e muitos se converteram para o islamismo ou para o cristianismo no século seguinte, levando um conjunto de ensinamentos cabalísticos radicais associados com o movimento em tornno de Shabetai.

Durante uns trezentos anos, meados do século XVI a meados do século XIX, as abordagens cabalísticas estiveram no centro do judaísmo praticado na Europa e no Oriente Médio. Nesse período, tornou-se comum uma versão mais popular da cabala no judaísmo da Europa Oriental, fomentada pelo movimento hassídico fundado pelo habino Israel Ba'al Shem Tov. Só no século XVIII, com a ascensão do movimento Haskalah ("Iluminação") entre judeus da Europa Ocidental, é que a cabala começou a perder sua importância nos círculos judaicos. Até hoje, há muitas escolas hassídicas e cabalísticas nas comunidades judaicas do mundo todo, preservando as tradições da cabala judaica e transmitindo-as a novas gerações de estudantes.

A história das cabalas cristã e hermética nos últimos séculos é mais complexa. Enquanto denominações cristãs ortodoxas se livravam de elementos cabalísticos por volta de 1650, a cabala manteve o papel dominante que teve no Renascimento até o desenvolvimento do ocultismo ocidental, e tanto o misticismo cristão quanto a magia hermética permaneceram próximos a cabala. Os textos de Jacob Boehme (1575 - 1624), o sapateiro místico de Gorlitz, não parecem ter sido influenciados diretamente por escritos cabalísticos, mas a teosofia cristã alquímica ensinada por Boehme poderia ser combinada facilmente com as ideias cabalísticas. Alquimia, astrologia, magia e muitos outros ramos das tradições ocultistas do Ocidente fluíram para a tradição cabalística no final do Renascimento, e inspiraram as grandes enciclopédias hermérticas de Robert Fludd. Essa mesma fusão de tradições continuou depois no centro do movimento ocultista ocidental.

A tradição hermética da cabala foi reconhecida por Éliphas Lévi (1810-1875), fundador da moderna renascença ocultista, como o cerne da tradição que ele esperava reanimar. Lévi foi o primeiro a conectar as letras do alfabeto hebraico com as 22 cartas dos Arcanos Maiores do tarô, dando início a uma nova e importante direção para o simbolismo cabalístico.

Depois de Lévi, uma série de ocultistas da França e da Inglaterra, na maioria associados às principais ordens do final do século XIX e início do século XX, desenvolveram novas variações sobre os antigos temas cabalístico, ou enveredaram por caminhos totalmente novos. Bem poucas fontes cabalísticas, ou enveredaram por caminhos  totalmente novos. Bem poucas fontes cabalísticas tradicionais eram conhecidas por esses cabalistas herméticos, pois poucos deles sabiam hebraico. Por outro lado, as traduções para latim feitas no Renascimento e no início dos períodos modernos eram muito comuns, e o antigo Sepher Yetzirah também era bastante estudado. No entanto, boa parte do material da nova cabala hermética veio de textos mágicos do Renascimento sem muita relação com a cabala, e outra fonte importante foi o campo das religiões e das mitologias comparadas, que levaram os cabalistas herméticos a propor direções -  como atribuição de deusas e deuses pagãos à Árvore da Vida - que seriam impensáveis na cabala judaica clássica.

O trabalho da Ordem Hermética da Aurora Dourada, a mais importante dessas ordens, foi, em grande parte, baseado nessa nova cabala hermética, e a publicação do legado da Golden Dawn ao longo do século XX fez com que sua visão de temas cabalísticos se tornassem praticamente universais na comunidade mágica do mundo anglófono. A tradição mágica francesa de Lévi e de Papus (Gerard Encausse, 1868-1916) também se tornou popular em muitas partes do mundo ocidental.

Esses desdobramentos levaram, pela primeira vez, a versões da cabala que não tinham ligação alguma com o judaísmo ou com o cristianismo - primeiro nas tradições herméticas, com os trabalhos de figuras como Aleister Crowley (1875-1947) e Manly Palmer Hall (1901-1990), e depois nas últimas décadas do século XX, com as primeiras versões neopagãs da cabala. Muitas delas foram baseadas na obra da Ordem Hermética da Aurora Dourada e seus desdobramentos, e adaptaram este material a um incrível sortimento de novas abordagens espirituais e sombolicas.

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